A angústia quanto ao próprio corpo subtrai à mulher uma fatia considerável da sua vida criativa e da sua atenção a outros aspectos.
Esse estímulo a que a mulher comece a tentar esculpir seu próprio corpo é extraordinariamente semelhante ao processo de escavar a própria terra, queimá-la, descascar suas camadas, desnudá-la até os ossos. Onde exista uma ferida nas psiques e nos corpos das mulheres, existe uma ferida correspondente no mesmo local na própria cultura e, finalmente, na própria natureza. Numa psicologia de caráter verdadeiramente holístico, todos os universos são interpretados como interdependentes, não como entidades autônomas. Não é de espantar que na nossa cultura coexistam a questão de esculpir o corpo natural da mulher, a questão correlata de entalhar a paisagem e ainda a de retalhar a cultura em partes que estejam na moda. Apesar de uma mulher não ter condição de parar a dissecação da cultura e das terras da noite para o dia, ela tem condição de interromper esse processo no seu próprio corpo.
A natureza selvagem jamais defenderia a tortura do corpo, da cultura ou da terra. A natureza selvagem jamais concordaria em açoitar as formas com o objetivo de provar valor, "controle" ou caráter, de tornar essas formas mais agradáveis ao olhar ou mais valiosas em termos financeiros.
(De: Mulheres que correm com os lobos - Clarissa Pinkola Estés))
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